quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Crônica Molhada

Saí de casa com o livro em mãos, apreciando os belos poemas da poetisa Carmen Cinira. Por um momento a inspiração tomou-me e logo comecei a escrever em meu caderninho de anotações algumas poucas rimas. Mas minha inspiração foi interrompida às pressas, pois o céu resolveu derramar suas lágrimas sem aviso prévio.

Rapidamente guardei meu caderninho e apertei o passo, andando aos cantos, esquivando-me das gotas que começavam a cair. Alguns passos mais à frente estas começaram a aumentar e aumentar. Olhava preocupado o livro em minhas mãos, que em pouco tempo tornar-se-ia um bolo de papel molhado e moído.

Resolvi parar perto de uma banca, vendo aquelas pesadas e ligeiras gotas caindo sem parar. Por um momento pensei em tomar uma condução, quando atacou-me a primeira sensação de impotência: “não tenho dinheiro no bolso”.

Fiquei ali, observando e pensando o que fazer. Esperar. Seguir e me molhar. Estragar o livro...
Olhei para o lado e vi, na banca de jornais: Capa de chuva – dois reais. Guarda-chuva – cinco reais.

Resolvi abrir a carteira, na esperança de achar alguma moedinha perdida, para ao menos poder adquirir aquele plástico de segunda que chamavam de capa de chuva. Atacou-me a segunda sensação de impotência.

Nada, nada na carteira. Apenas uma nota de um dólar e um retalho dourado. Engraçado pensar no valor do dinheiro quando ele não tem valor quando você precisa.

Suspirei e continuei a observar tudo. As pessoas atravessando a rua correndo, fugindo da chuva. Os carros buzinando. O caos que veio dos céus.

Então, como se num momento divino, tudo pareceu escurecer e vi, ao fundo, como se holofotes o iluminassem. Fitei atentamente um prédio cinza que carregava uma placa escrito: "ITAU".

Permiti-me um breve sorriso e um pensamento: “Pronto, resolvido”.

Corri até o prédio, adentrei-o. Enquanto pegava as notas, pensava nas derradeiras gostas que me molhariam. Saí do prédio, mas dessa vez não corri, deixei que as gotas fizessem seu último estrago. Caminhei até a banca de jornais e pedi um guarda-chuva.

Simples, modesto e barato.

Mas o preço do guarda-chuva não se iguala ao preço de meu sorriso enquanto caminhava abrigado por sua malha fina e suas frágeis varetas.

Não escrevi minha poesia, estou molhado, mas estou contente.

(Atanágoras Sena)
www.sarauonirico.com.br

3 comentários:

  1. Bela crônica Atanágoras. Fale a verdade...você queria mesmo é se molhar, a capa e o guarda-chuva foram apenas justificativas, não!
    gde abç

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  2. Sem dúvidas meu caro, adoro me molhar. Não exatamente quando estou indo para o trabalho, mas adoro sentir a chuva cobrir meu corpo.
    Obrigado pelas palavas.
    Abraço.

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  3. Que bom!!! Adorei a crônica e a participação!!! Aline Romariz

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