quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O Brasil precisa de poesia

A eleição recente do poeta Carlos Vogt, de projeção nacional e



internacional, para uma das cadeiras de nossa Academia Campinense de Letras levou-



me a algumas reflexões sobre o papel da poesia no mundo contemporâneo.



Infelizmente, embora se possa e até se deva viver para a poesia, dela não se vive no



Brasil. É difícil publicar e, mais ainda, vender poesia, pois a má vontade dos editores e



o descaso da distribuição são notórias, sem contar, o cuidado dos livreiros em dispor



os livros nas prateleiras mais inacessíveis. Mas, nem tudo está perdido, pois a poesia é



o gênero literário mais valorizado no ENEM. Somos uma nação que pouco lê, com



reduzido número de livrarias e políticas culturais caolhas, quase sempre



comprometidas com interesses restritos.



movimentação a partir dos anos 80, envolvendo principalmente jovens autores, creio



que podemos apontar para uma diretriz bem nítida, impregnada pela ânsia do fazer. A



atitude francamente humanista e a consciência participante são marcas dessa nova



identidade. Há uma busca do coletivo, inclusive no que diz respeito à linguagem.



Coerentemente ocorre, ao mesmo tempo, um retorno aos espaços abertos, às praças,



às ruas. Os poetas saem com os poemas ao encontro do leitor.



Se olharmos, no entanto, a grande



Numa pesquisa feita recentemente por estudantes de Letras, na



Universidade de São Paulo, constatou-se que, nos vários níveis sociais, ainda se associa



a poesia a determinados elementos tradicionais, principalmente a métrica e a rima.



Sabe-se o quanto as coisas mudaram a partir do Modernismo. Para muitos poetas a



preocupação formal já não faz sentido. Para outros, no entanto, permanece a idéia de



que a poesia é fundamentalmente criação de linguagem, ou seja, é elaboração formal,



busca de unidade entre significante e o significado.



A partir do parnasianismo, intensificou-se na poesia a especialização da



linguagem, aumentando a divisão entre os trabalhadores do verso e os demais



trabalhadores. O divórcio ficou de tal maneira acentuado que praticamente só



restaram como leitores de poesia os próprios poetas. Agora, está havendo um retorno



ao cotidiano, à vida comum. E o desnudamento do poema faz parte dessa volta. A



poesia está viva, como arte ou como simples necessidade no interior das pessoas. Ela



está ajudando, nestes tempos de corrupção no País, a redescobrir a dignidade humana



e a alegria de viver.



Ferreira Gullar diz que o poema é sempre um trabalho interrompido,



não se podendo considerá-lo pronto. Em qualquer caso, é indispensável a técnica e,



sem ela, o poema não terá unidade, falhará no ritmo, não se imporá como arte.



Mesmo o verso livre precisa de técnica. Por outro lado, sabe-se que, onde não há



sentimento não há lirismo. A boa poesia reúne técnica e invenção, sem tolher o



sentimento. Como entender a conotação poética sem a emoção? A comunicação



poética é de natureza emocional. Através da linguagem, o poeta consegue fazer sentir



as coisas que, de outro modo, seriam apenas pensadas. Há no poema uma lógica



afetiva, expressando a plenitude do ser. Nele, o coração participa, seja para o autor,



seja para o leitor. Talvez resida aí a origem da maldição imposta à poesia pela



sociedade capitalista. Eis que a poesia impõe autenticidade.



Campinas sente-se engrandecida, pois as nossas duas Academias de



Letras possuem, em seus quadros, poetas de grande capacidade criativa. A própria



criação do CPAC, associação que congrega poetas da cidade, é um bom exemplo dessa



assertiva. Apesar de viver uma grave crise política, a cidade venera seus grandes



poetas. Diz o consagrado poeta Mário Quintana, num de seus textos que “todos



deveriam fazer versos”. Eu, também digo: quanto mais poeta, melhor! E se os poetas



lessem os poetas, teríamos de ter muitos leitores. A verdade é que o mundo é um ato



de criação poética.



Duílio Battistoni Filho



Historiador e membro da Academia Campinense de Letras



e-mail- duiliobf@yahoo.com.br

14 comentários:

  1. Acredito que esse texto deveria ser enviado para o Jornal Correio Popular, para que Campinas lesse na íntegra...

    "A poesia é uma casa sem porta e sem janela que o Mundo inteiro se abriga dentro dela". Silvia Trevisani

    http://escritorasilviatrevisani.blogspot.com

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  2. Ilmo. Sr. Duílio,

    Parabenizo-o por esse artigo belíssimo e muito bem escrito, que retrata a nossa realidade. Faço votos para que o Brasil, assim como o Senhor, reconheça o valor da poesia e dos nossos poetas.
    Abs. Eunice Rodrigues de Pontes

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  3. Caro Duílio, mesmo sendo apenas diletante, aprendiz, concordo em gênero, número e grau com seu belo e emocionado texto. Aliás, não é só o Brasil, o mundo precisa de poesia. Quem sabe assim irmãos não iriam matar-se, a corrupção envergonhar-se-ia de existir? Espero que, apesar dos pesares, os "fazedores" de poesia não esmoreçam e ela consiga retomar o lugar que sempre foi seu. Lúcia Edwiges Narbot Ermetice

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  4. Bom dia Silvia,

    Esse artigo do Sr. Duílio,já foi publicado no "Correio Popular", no dia 11/11/2011.
    Abs.
    Eunice R. de Pontes

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  5. Caríssimos confrades, percebo uma movimentação no sentido da valorização cultural em nossa querida Campinas e região. Iniciei minha parte pulverizando ideias críticas, conscientizando uma mudança na estratégia comportamental de todos os envolvidos. Faz-se necessário uma revolta nos conceitos estagnados, está faltando adrenalina de vanguarda na veia cultural. Não podemos mais esperar!

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  6. Sr. Duilio seu texto retrata apaixonantes verdades. Lê-lo é ver levantada a bandeira da poesia com fundamentação histórica e precisão. Resta-nos desejar que o poetar intrínseco ao ser humano seja praticado por todos os povos todo o tempo.

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  7. O artigo é inconteste! Parabéns a ele.

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  8. Boa noite Duílio, excelente artigo, grande verdade. Porém este fato não é só no Brasil, moro atualmente em Portugal e aqui é exatamente igual, a poesia é muito mais editada, porém, comprada e lida apenas por poetas. Devemos escrever cada vez mais e propagar com maior empenho, assim um dia a realidade mudará. Parabéns! Abraços, Flavia Angelini.

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  9. Gostaria de divulgar este texto no meu blog...posso? Diz tudo o que anda engasgado em nós, poetas favelados do mercado editorial.

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  10. É interessante ler este texto sobre a criação poética e sua participação na sociedade e no mundo quando acabo de receber de um amigo croata um poema em que ele me disse ter "sentido tranquilidade em compor o texto"cheio de sentimento e lirismo em versos livres!!! Parabéns, pela verdade deste texto! Bjs Aninha

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  11. Parabéns pelo belo texto. Verdadeiro e rasga em nós a verdade sobre a desvalorização da arte em nossa sociedade. Porém creio que precisamos continuar fazendo e educando crianças a conhecer e a saborea a poesia. Cada um em seu universo em que vive. Daniel Rosa.

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  12. Pode divulgar,sim Janete.
    Aline

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  13. Parabéns pelo texto. E pela condensação que a poesia sempre traz na última frase: o mundo é criação poética. A poesia está aí, a gente é que cata uns fragmentos e põe no papel de vez em quando.

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  14. Prezado Duílio, congratulo-me contigo por tudo o que tens dito. É uma grande realidade, a poesia hoje está restrita, pois recordo que em certas décadas passadas ela era presente em grandes eventos pátrios e religiosos como também, em livros didáticos. Parabéns por esse incentivo aos poetas.
    Laerço dos Santos
    http://oagape.blogspot.com/

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