quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

SÓ MESMO DRUMMOND


           O texto de Drummond, o grande e maravilhoso que é capaz de extrair poesia de pedra, nos faz pensar, refletir sobre o que fazemos – escrever - por profissão, deleite, necessidade, vocação, ou qualquer que seja o motivo.
            Os meios de comunicação além de informar, formam e transformam pessoas, opiniões, comunidade, um país inteiro, se for necessário (quantos já caíram do pedestal, por interferência dos meios de comunicação), por força de fatos revelados ou por revelação de omissões nefastas, tipo aquela de Pilatos, de quem lavou as mãos, embora elas não estejam limpas.
            Bem, voltando ao mago das palavras... Para que não fiquemos “cheios de si”, com um certo ar de importante pelo fato de escrevermos crônicas, de termos a ousadia de publicá-las e achar que transformamos o mundo, ou as pessoas, só porque dizemos algo ,ou melhor, nos atrevemos a dar nossa versão sobre determinado assunto, ou relatar experiências que nos tocaram e que pode ser do agrado de alguns leitores é bom dar um lida no que ele diz sobre o ato de escrever.
Escrever impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a purê de palavras.
 O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau ("com isenção de largo espectro", como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego — às vezes nem isso... Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, dando sua opinião sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens. Esquecido de que é um deles.
Ah, você participa com palavras? Sua escrita — por hipótese — transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever «O Capital» é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu «O Capital». Não é todos os dias que se mete uma idéia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever e abster-se. Vazio, antes e depois da operação.
Já revelei em outras ocasiões o quanto gosto de Drummond, do que e como escreve. Apesar de fazer esta crônica com seu prazeroso texto (há quem diria delicioso, mas sou do tempo que só se usa delicioso para coisas comestíveis) vou me permitir discordar um pouco do que ele diz (até para me justificar de aqui estar).
Todo aquele que se atreve a comentar sobre os fatos do cotidiano, não o faz por ser ou estar sereno (nem ele próprio), superior, mas por ter sido tocado por tais fatos, por outros textos, por uma palavra numa conversa informal com outrem, por acontecimentos fortuitos, quer de maneira negativa ou positiva a ponto de não conseguir guardar para si todo o sentimento produzido (alegria, tristeza, inquietação, admiração, indignação) dividindo-o com os leitores. Creio que conseguimos ter olhos sensíveis para os acontecimentos, (não que outras pessoas não possuam) por mais banais que possam parecer, só temos a ousadia de dar nossa opinião e de mostrar de que modo fomos atingidos. Neste processo, muitos se identificam e gostam (nosso público leitor) outros discordam, e um outro percentual nem foi atingido pelo que escrevemos e seguem sua vida independente das letrinhas colocadas no papel.  Enquanto isso, como diz o poeta, um imprevisto sucede outro, num mecanismo de monotonia... explosiva.

Isabel C.S.Vargas

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